Noah

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Eram 16h30. Mais minuto, menos minuto.

Eu passara o fim de semana sentada, ou deitada, a fazer o menos possível. Queria muito que viesses, mas estava determinada a manter-te cá dentro até domingo à noite, pelo menos.

Durante a tarde decidira que já me podia levantar. Já podia retomar o meu ritmo habitual e as passeatas que até aí tinham feito parte da nossa rotina diária. Andava, eu e o pai, quase todos os dias, durante perto de uma hora.

E por isso fomos até à Lagoa. Eu, com uma barriga enorme, o pai e a avó. Como estávamos entre a hora do lanche e a do jantar, parámos no café da praia. “Uma tosta mista e um compal, por favor. E umas batatas fritas, está-me a apetecer imenso!”

Depois disso andámos, devagarinho, pela areia. “Os ares da praia fazem-lhe bem.” Se não a ti, pelo menos a mim faziam. Sempre fizeram.

O final do passeio já estava a custar mais. As pernas estavam cansadas e faltava-me o fôlego. As dunas enormes que tinham sido feitas por camiões que por ali andavam a fechar o canal também não ajudaram.

Voltámos para casa, para preparar o jantar, finalizar o dia e irmos descansar.

 

Eram 21h30. Mais minuto menos minuto.

Uma dorzita na barriga. “O passeio cansou-me mais do que pensei!”

A dor era leve, mal a sentia, mas constante. Umas vezes ficava mais forte. Sentei-me na bola de pilates, como tantas outras vezes. Andava contigo à volta, em básculas.

“Se calhar vou marcar isto, just in case.” Tantas outras vezes tinha marcado estes “vai-vem” de dor. Há um mês que os marcava, uns dias muitos, outros nada.

A avó e o pai sentaram-se para jantar. “Não ficaram mal dispostos? Eu não consigo comer nada…”

“Boa, não acredito que a tosta estava estragada!” Sentia-me cada vez pior. As contrações não incomodavam, o enjoo sim.

Entre espasmos, marcava as contrações. 4 minutos. 9 minutos, 3 minutos…

Depois de vomitar, senti-me bem melhor. “Queres ver que era mesmo o raio da tosta…”

Por precaução, decidimos de qualquer forma ir para Lisboa. Era domingo, à noite, não havia trânsito. Na pior das hipóteses, voltávamos para casa no dia a seguir!

Arrumámos tudo.

 

Era 00h30. Mais minuto, menos minuto.

A avó conduzia, eu marcava as contrações, o pai falava connosco. 5 minutos, 3 minutos, 8 minutos.

A viagem fez-se mais rapidamente do que alguma vez a sentira. De um momento para o outro passei da nossa sala em Sesimbra, para a mesa de jantar do avô, em Lisboa.

“Ainda é coisa para umas horas!” comentámos.

O avô foi-se deitar. Eu e o pai também. “É melhor tentarmos dormir.”

As contrações continuavam. 2 minutos. 4 minutos. 6 minutos. E intensificavam. “Massage, I’m having another one.”

“Vou tomar um banho quente. Ajuda a relaxar, e se for “false labor” tiramos já as teimas.”

O pai marcava agora as contrações, enquanto eu respirava fundo e deixava a água quente fazer o seu trabalho.

“One more.” 2 minutos. “One more.” 1 minuto.

Quando comecei a ver sangue assustei-me e liguei à Íris. “É melhor vires, isto não está a parar e estou a perder sangue. Quero ir ao hospital.”

Enquanto esperávamos pela Íris, o pai falava comigo. Uma massagem, uma respiração. Respirávamos ao mesmo ritmo, visualizávamos as mesmas coisas. “Enche um balão na barriga” lembrava-me eu.

“Preciso de uma epidural…”

O pai riu-se, lembrando-se do momento – meses antes – em que eu lhe expliquei que este momento existiria. E como lhe tinha pedido antes, lembrou-me que eu não queria uma epidural e que era o medo a falar. “Tu consegues fazer isto. Foi o que sempre quiseste. O teu corpo é forte e tu também.”

 

Eram 3h45. Mais minutos menos minuto.

A Íris chegara e estávamos prontos para o hospital. “O kit? Trouxeram?” Estava já o avô a descer com o kit de criopreservação na mão, enquanto eu me curvava num pimenteiro com mais uma contração.

O caminho entre Telheiras e os Olivais estava vazio. Não havia ninguém na estrada. “Isto está a correr ainda melhor do que eu tinha desejado.”

 

Eram 03h50. Mais minutos menos minuto.

A enfermeira tinha-me admitido e eu estava oficialmente internada. Podia parar de marcar contrações. Não havia dúvida de que aí vinhas. Parto ativo e 3 cm de dilatação.

“Isto é capaz de demorar.”

 

Eram 09h00. Mais minuto menos minuto.

A Dra Patrícia chegara, com um enorme sorriso. “Estava mesmo à minha espera!”

Tinha progredido um bocadinho. 5 cm de dilatação. “Não quer mesmo acelerar isto?” “Não.” Tínhamos discutido várias vezes o plano. Estávamos todos cientes que te queríamos dar o tempo necessário. “Vou fazer uma consulta então e volto dentro de pouco tempo.”

“Tudo bem, eu espero aqui.”

O pai falava comigo, encorajava-me a cada minuto. A Íris repetia incansavelmente o ótimo trabalho que estávamos a fazer. Eu e tu. Um esforço a dois, com a ajuda de mais dois.

“Massagem, por favor.” “Costas, pés.”

As palavras saíam aos poucos. Durante as contrações eram quase monossilábicas. Entre contrações aproveitava para recuperar o fôlego. 2 minutos. 1 minuto. 3 minutos.

“Como te sentes?” O pai estava cansado, mas não mo disse. Rimo-nos (também já tínhamos falado disto, uns meses antes, e ele sabia que não se deveria queixar de forma alguma!).

“Desculpa estar tão mandona, mas não consigo construir frases normais…” O pai riu-se e beijou-me. “I love you.”

 

Eram 14h00. Mais minuto menos minuto.

As contrações vinham ao mesmo ritmo das últimas horas. Mas já estava com 9 cm, estavas quase.

Já estava a fazer força há uns minutos. A cada contração tentava ajudar-te a desceres o canal de parto. Estavas preso, mas eu estava determinada a não te deixar desistir. Andava pelo quarto, saltitava na bola de pilates, punha-me em pé na cama. Básculas, mais básculas!

A barra que a Dra Patrícia tinha colocado em cima da cama ajudava-me a fazer força de cócoras.

 

Eram 15h30. Mais minuto menos minuto.

Eu sentia cada vez menos força nas pernas. Já não conseguia aguentar as cócoras e o “levanta, senta” entre contrações. A dra Patrícia deitou-me. “Vamos experimentar assim.” “Posso pôr um bocadinho de ocitocina para ajudar?”

Eu já estava com a dilatação total, o trabalho estava quase todo feito. Só faltava mais uma forcinha. “Sim, pode pôr um bocadinho.”

O pai parecia um adepto de futebol. “Força, força, estás quase!!”

Entre contrações, ele e a Íris relembravam-me que o esforço estava quase no fim. Tu estavas quase cá. Eles já te viam, eu é que não.

 

Eram 16h23. Nem mais minuto, nem menos minuto.

“Eu consigo fazer isto.” Respirei fundo e fiz força outra vez. A Dra Patrícia ajudava-te a sair, sem me deixar rasgar.

“Períneo intacto.” As duas palavras que eu tanto lutei por ouvir.

E o meu bebé nos braços. “Vamos ter que o levar para ser aspirado, mas trazemo-lo já de seguida, está bem?”

Enquanto ias, com o pai, para a salinha ali ao lado, eu tentava perceber como poderias cheirar tão bem. O teu corpinho, colado ao meu peito e encostado à minha cara tinha o cheiro mais doce que alguma vez senti.

Voltaste logo de seguida e voltaram a colocar-te exatamente na mesma posição.

Ainda cheiravas ao mesmo. E eu respirava fundo, a guardar cada segundo daquele momento nas gavetinhas da memória.

Enquanto a Dra Patrícia tratava dos últimos pormenores para a minha recuperação – um pontito aqui, outro ali, por precaução – eu pedi ao pai que agarrasse em ti. Não queria que os meus possíveis espasmos te assustassem. Queria te junto de uma fonte de tranquilidade e queria que ele sentisse o mesmo cheiro que eu sentira.

A nossa música já ecoava pela sala e o pai já tinha tirado a camisa. Pele com pele.

A adrenalina, as endorfinas e a ocitocina que tinha a correr, naturalmente, dentro de mim não me deixavam sentir qualquer dor. Só queria olhar para vocês. O homem que tanto amo, com o bebé mais perfeito que alguma vez vi.

Pura paixão. Pura harmonia. Pura felicidade.

 

Eram 17h30. Mais minuto menos minuto.

Já no quarto, e depois do check-up pós parto, podia finalmente comer!

Tu já tinhas amamentado e os avós e os tios podiam finalmente ver-te.

 

São agora 21h30. Mais minuto menos minuto.

Tu dormes profundamente na tua caminha. Bebeste o teu leitinho, largaste o biberão e aninhaste-te na almofada. Eu e o pai saímos do quarto e tu adormeceste minutos depois, tranquilo.

Foram até agora 365 dias. 8760 horas. Mais minuto menos minuto.

De pura paixão. De pura harmonia. De pura felicidade.

 

Parabéns meu amor.

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